No amplo e variado contexto da rica produção das artes brasileiras desde o pós-guerra, Anna Paola Protasio situa-se na difícil, mas frutífera, construção de uma terceira via – que talvez se constitua em um verdadeiro projeto civilizatório para o país – entre uma forte herança construtiva, ligada a conceitos racionalizantes de progresso e ordenação do mundo, muito em voga especialmente nos anos 1950; e outra, não menos vigorosa, relacionada a uma poética do precário, do orgiático e do sensorial, cujas origens formais e teóricas remontam ao nosso primeiro modernismo, nos anos 1920, recuperado nos movimentos da década de 1960. Isso significa que, se por um lado, em Protasio, a prática do deslocamento de objetos de uso cotidiano (ao lado de materiais tradicionais e nobres) para o universo da arte não significa a manutenção de seus significados sociais ou culturais, sendo impregnados por intensos simbolismos e conotações pessoais; por outro, esses significados, no contexto de suas obras, são submetidos a um rigor formal e gramatical que previnem todo excesso de subjetividade ou a pura experimentação sensorial.
Arrasto
Não deixa de ser relevante que tal característica retira – ou suspende, palavra que, como logo veremos, parece indicar algo caro à artista – o trabalho de Anna Paola Protasio do contexto imediato dos dilemas e debates paroquiais da história da arte brasileira; para inseri-lo no contexto mais amplo das pesquisas intelectuais da arte ocidental, ou, melhor dizendo, da história do sujeito ocidental desde o Iluminismo, com suas angustiante e concomitante necessidade de transcendência (filosófica) e controle (científico). A partir desses fortes elementos de pesquisa e intelectualidade – que marcam, mas não esgotam a obra de Protasio – seus trabalhos podem ser compreendidos como um idioma visual e material, que obedecem à uma lei (da sua linguagem) para produzir simbolismos, metáforas e alegorias que incessantemente apontam para seu próprio limite, no qual o sujeito (e o espectador) se sente aprisionado, usando os grilhões da própria linguagem para forjar, ou, ao menos, apontar para, possíveis estados ou espaços de transcendência ou de suspensão (da lei; do espaço e do tempo).
Entre o aprisionamento asfixiante do construtivo e do exato, e o horror do caos e da dissolução da consciência, portanto, se situa – como um ponto utópico, sempre a ser conquistado – a obra de Ana Paola Protasio, como um projeto possível de sujeito, enfim transcendente e presente. Tal esforço está atualizado, em maior ou menor grau, em todas as obras desta exposição, desde a instalação “Transe”, em que um farol de alumínio lança seus raios luminosos ao infinito enquanto escuta-se o canto langoroso e profundo de um hino a Iemanjá (deusa e rainha dos oceanos), à poética instalação “Horizonte”, no qual um barco de acrílico transparente navega sem se mexer (suspenso no tempo e no espaço, ou congelado) em direção a um horizonte para sempre inatingível, desenhado na parede (transformada, portanto, em fundo infinito) por um nível a laser; passando por esculturas e pinturas (em metal, definindo uma água dura, ou seja, aquilo que é informe por natureza ganhando forma e rigor) que são, em sua exitosa tentativa de apreender, com nobreza e estoicismo, a sutil passagem de um estado de não-ser a um estado de ser – a uma terceira margem, onde o ser humano se encontra e se inventa –, pura poesia.
Renato Rezende, 2013